10 de nov. de 2007

Reflexão





Reflexões

Depois de uma vida de professor, dou comigo a pensar no que vivi como aluno. Não é que como professor no activo eu não me lembrasse do aluno que fui. Só que, passadas as duas fases e com mais tempo para reflectir, tudo me parece mais claro por um lado e mais confuso por outro. Mais claro porque parece que foi ontem que tudo se passou - será o avivar da memória para as coisas antigas próprio da 3ª idade que por aí se aproxima? Mais confuso porque há coisas que me ensinaram que eu ainda hoje não percebi como é que queriam que eu entendesse.
Mandavam-me decorar a tabuada, como ponto de partida, sem eu saber como e para que era aquilo, porque sem isso não poderia fazer as contas nem resolver os problemas que eu muito menos sabia o que eram e para que serviam. Se me perguntavam 3x4 e eu respondia imediatamente 12, ficavam muito contentes comigo porque eu nem tinha pensado, mas se ficasse a pensar um bocadinho, logo ralhavam comigo, porque era preciso dizer sem pensar. O mais nobre, o pensar, era penalizado.
Para achar a área de um rectângulo mandavam-me multiplicar o comprimento pela largura porque metros vezes metros dava metros quadrados à semelhança de 3x3 = 32 , e isso dava-me direito a pensar que para achar quantas maçãs havia numa caixa bastava multiplicar as maçãs do comprimento pelas maçãs da largura e obviamente daria maçãs quadradas.
Para dividir fracções mandavam-me multiplicar, após inverter os termos ao quebrado divisor, e eu o que queria era dividir.
Nas fracções, disseram-me que o denominador representava sempre o número de partes iguais em que a unidade tinha sido dividida e o numerador o número dessas partes que se tomavam.
Quando apareceu o 8 elevado a 2/3, cansei a massa cinzenta a tentar descobrir o que é que eu tinha partido em 3 partes iguais e onde é que estavam as duas. É claro que logo me tranquilizaram dizendo-me que o 3 passava a representar o índice de uma raiz e o 2 o índice de uma potência e eu, como era bem mandado, passei sempre a fazer assim porque assim eu ganhava sempre um certo, ainda que sem saber porquê.
E não é que me ensinaram a trabalhar com potências e com raízes sem me terem ensinado a contar por bases nem a teoria de conjuntos!... Ou eu era muito espertinho ou não sabia o que é que estava a fazer.
E aquela coisa de me dizerem que qualquer número elevado a zero dá sempre 1!... É claro que sempre me foram dizendo que aquilo era um axioma e que se dividisse duas potências com a mesma base e o mesmo expoente logo veria que dava um. Mas se eu percebia porque é que 2 ao quadrado dava 4 e 2 ao cubo dava 8 porque é que não haveria de perceber a razão do 2 elevado a zero dar 1?
Havia ainda, na antiga instrução primária, uns problemas muito compridos, com muitos raciocínios, que os alunos tinham de resolver sem quaisquer estratégias de apoio do princípio ao fim. Resolver problemas assim era um acto heróico do aluno e uma violência da parte de quem lhos propunha. Quando cheguei aos outros níveis de ensino é que percebi quanta desumanidade havia naqueles problemas por comparação com as estratégias aqui existentes. Eram fórmulas, eram equações, eram as incógnitas a passarem de uns lados para os outros, etc. Aquilo assim até parecia bruxedo!... E sendo certo que a maior riqueza da resolução de um problema – mesmo dos mais simples – fica sempre situada entre o fim do seu enunciado e o início dos seus algo-ritmos (se os tiver), parece-me que ainda hoje esse espaço continua um deserto, e parece-me que não é só no primeiro ciclo. No dia em que os alunos e os respectivos professores forem capazes de transformar esse deserto em terreno produtivo de estratégias expressas e sistemáticas, um passo importante se dará na aprendizagem da Matemática.
E é possível, logo no 1º ciclo do ensino básico, fazer com que os alunos esquematizem, equacionem e passem as incógnitas para o lugar que mais lhe convier para a resolução do problema.
Não se pense que com esta prosa estou a denegrir o trabalho dos meus professores de quem guardo gratas recordações e apreço, nem de outros seus contemporâneos. Eles tinham as práticas pedagógicas do seu tempo e bem esforçadas elas eram. Daqui a vinte anos, ou menos, estarei a ler coisas a respeito do meu trabalho de hoje, por desactualizado. E é bom que assim seja porque é sinal que evoluiu. De estranhar seria fazer-se tudo como hoje e hoje fazer-se como se fazia há quarenta anos.
Falámos de matemática. Mas podemos falar de dois tipos de matemática. Na óptica do utilizador, aquela que é preciso sair rápida, certa à primeira e, se possível, mecanizada e sem ser pensada porque o freguês é de longe, e que corresponde à de há cinquenta anos e servia para o mundo do trabalho.
Hoje, nas escolas, deve praticar-se, a meu ver, a matemática tipo investigativa, aquela que deve ser procurada, experimentada, confrontada, reflectida, esquematizada e, portanto, necessariamente lenta e em que o mais importante não será achar o resultado final mas antes promover e apreciar os caminhos (penso eu).
João Maria de Oliveira
Professor aposentado do 1º ciclo
http://www.apm.pt/apm/revista/educ47/educ47_3.htm

Um comentário:

Luci pratas disse...

Olá professor José Maria meus parabéns pelo texto tão bem escrito........sou professora do Ensino Fundamental I e quando planejo as minhas aulas de matemática procuro sempremostrar aos meus alunos que o mais importante é o processo pelo qual passamos para resolver um problema e não necessariamente o resultado, que o mais importante é entendoer o porquê de se está fazendo algo e não o fazer em si,que esse exercício de organizar estratégias para se chegar a um resultado é até, muitas vezes,mais importante do que encontrar o resultado certo sem compreender porque chegou ali.
Lucivane Sousa